Os “porta-vozes” da cultura Avieira, elementos integradores do património imaterial Avieiro


No âmbito do Projecto Nacional da Cultura Avieira e na consequente inventariação do património imaterial avieiro, temos vindo a recolher vários testemunhos orais – histórias de vida – contadas por avieiros, na sua maioria muito idosos, que têm sido o suporte principal da forma de documentar o intangível desta cultura.

Estas histórias de vida integram peças de cancioneiro, lengalengas, rezas e mezinhas e várias narrações, entre lendas e contos populares que estavam em “risco de extinção”.

Esta forma de transmissão do conhecimento assume importância fundamental em todo o processo de salvaguarda do património cultural imaterial avieiro e de candidatura a património nacional imaterial e da Unesco.

Disso vos damos conta nas duas Folhas Informativas em anexo, do ponto de vista da contextualização dos processos de trabalho e de construção de portefólios. A leitura de ambas é complementar e justifica pequenas repetições de excertos de textos. À sua autora, Lurdes Véstia, apresentamos os nossos sinceros agradecimentos.

 O Gabinete de Coordenação

(Projecto de candidatura da cultura Avieira a património nacional imaterial e da Unesco)


Cultura Avieira – Um património, uma identidade

FOLHA Nº06-2012_Candidatura à Lista Representativa da UNESCO

FOLHA Nº07-2012_Porta-vozes da memória Avieira

anda


 

porque me prendes?

 

deixa-me ser

eu sou tu dentro de ti

não me ouves?

não me sentes?

não me ignores

 

sou eu, não me negues

sou tu, deixa-nos voar

somos tão leves

porque me prendes assim?

tens medo?

 

anda, vamos

tu, eu, nós

 

tão simples

se abrires as janelas de ti

espreitares lá para dentro

e sairmos as duas

de novo

como quando éramos uma só

 

anda

vamos saltar à corda

da vida

só o futuro


em arganil

 
falo da fronteira
do limite
ali onde tu
tens de
 
nenhum caminho
é
mas caminho farás
se
 
nasceste quando
para seres o que ès?
quantas vezes
morreste
no caminhar para ti?
 
sabe-lo?
 
o candeeiro
dá luz e sombra
também tu
na fronteira de ti
 
a cada passo dado
um passo deixado
procura as pegadas
vê-te nelas
 
mas nunca te esqueças
que o futuro
é o teu destino
 
(arganil)
 
 

O trabalho voluntário, base da reabilitação da aldeia avieira do Patacão, em Alpiarça


Os trabalhos de reabilitação desta aldeia decorrem desde há dois anos, envolvendo sempre cidadãos voluntários, num sábado por mês.

No sábado dia 21 de janeiro de 2012, direta ou indirectamente, ali estiveram envolvidas 22 pessoas. Participaram pescadores avieiros, que representaram diferentes aldeias: Azeitada/Benfica do Ribatejo (Almeirim), Porto da Palha (Azambuja), Palhota (Cartaxo) e obviamente Patacão (Alpiarça).

Desde 2010 até Janeiro de 2012 foram ali oferecidos à comunidade 170 (cento e setenta) dias de trabalho-homem. Vale a pena visitar o local para perceber o que ali está a ocorrer. Damos o exemplo em fotos publicadas na presente Folha, do antes e do depois, assim como de zonas do dique recuperadas às silvas e às figueiras bravas.

À autora desta Folha, Lurdes Véstia, apresentamos os nossos sinceros agradecimentos.

O Gabinete de Coordenação

(Projecto de candidatura da cultura Avieira a património nacional imaterial e da Unesco)

Cultura Avieira – Um património, uma identidade

 

FOLHA Nº05-2012_Voluntariado no projecto dos Avieiros

quando o mar trabalha na torreira_luciano amaral


luciano amaral

 

eu sei

o mar
conheço-lhe as manhas
promessas e traições
nevoeiros ondas correntes

eu sei

o vento
norte forte furioso
correndo na areia
erguendo ondas vagas
onde planícies

eu sei

disso depende a minha vida
nesta arte sofrida
sal sol suor mar vento areia
carne curtida
tempo outro mais veloz

eu sei

mas não é por saber
que resisto ao mar
ao seu apelo
à voz

 

(torreira; século XX)

no acto de ser


assassinado e belo

 

nada

é tão límpido e transparente

como tu

se

 

vês a cidade

tremer nas águas

que imaginas límpidas e puras

engano teu

 

espelho

velho gasto e assassinado este

que os olhos te ofertam

 

o teu silêncio cúmplice

a fome do lucro

o desprezo pela terra mãe

tudo isso

o matou aos poucos

 

transparente e límpido

só tu

se te souberes

e fores

no acto de ser

 

(aveiro; canal principal)

 

 

quando o mar trabalha na torreira_alfredo afonso (cricas)


alfredo afonso (cricas) _ falecido

 

resta-me o futuro
a esperança de haver
mais mar

aqui moram
as minhas memórias
pegadas
coladas
à areia de ser eu aqui
um grão
no vento voado
do tempo

resta-me o futuro
espuma das ondas
a rebentar nas proas
barcos
peixe pouco
deixando em terra
escamas de mar

aqui moram os meus
sonhos
mesmo os que não tive

 

(torreita, século XX)

ama tudo


à tona da maré

 
o sorriso
na face
à tona
dos dias
 
nada é tão
pesado
como a tristeza
de não ser
 
canta
o estares aqui
mesmo se
 
és
nada mais
que tu
aceita-te
mas não desistas
de ser mais
 
sem pressas
sem angústias
acorda os dias
em que estás
por vezes
sem saberes como
 
sorri
e ama tudo
que tudo
é
 
(murtosa; bico)