estou muito longe
de tudo
muito perto
de mim
encho-me de mar
e não há palavras
que digam sequer parte
do que sinto
quem sou
é outro
sendo o mesmo que fui
mas muito maior que eu
lavei todo o meu corpo no mar
limpei-me das impurezas urbanas
reencontrei o vernáculo
dos homens que não viram as costas
às ondas
pesco neles o pão
para estas palavras poucas
e ofereço-vos
do muito que sou agora
o tanto que me ofertaram
estou muito longe
de tudo
mais eu que nunca
recuso outro tempo
que não o meu
sou o agora e o aqui
na inquietação de
querer melhor
sou
a pedra
no vidro
o prego
no sapato
não mudo de passeio
mudam
não ponho máscaras
sou-me
irritantemente
por vezes sei e nunca
é demais
não procuro
encontro
reencontro
vomito
quisera ser
o grito
talvez de palavras se faça
o discurso
mas com actos se concretiza
assim se faz o homem
tragam-me um
diz-me que terra é esta
onde já poucos morrem
porque menos nascem?
terra de partida
terra em que não há pobres
dizem
porque misérias muitas
os moliceiros esguios elegantes fermosos
os mais belos barcos do mundo
não eram barcos
eram casa
ave
pão na mesa
que povo é este que tem
de buscar as suas memórias
em arquivos de museus que não os seus
que povo é este que tão fraca gente
à frente tem
vou ainda ao meu encontro
no desencontro de estar aqui
(torreira e dois moliceiros que já não existem – nem o dono)
O Pardilhoense é um barco moliceiro construído no ano de 1996, em Pardilhó, em casa do anterior proprietário, Sr. Carlos Vilar. Tem um comprimento de 14,70 metros e uma boca de 2,54 metros. Foi adquirido em 22 Dezembro de 2010 pelo Moliceiro da Costa Nova. Reconstruido pelo mestre Zé Rito em 2011, com madeira de pinheiro bravo para o tabuado e madeira de pinheiro manso para as cavernas. Foi lançado na água nos finais de Junho desse mesmo ano. A madeira de pinheiro bravo veio dos pinhais de São Vicente Pereira, e o pinheiro manso do pinhal de Leiria. Foram respeitadas as medidas do barco anterior e algumas cavernas: o restante foi totalmente feito de novo. Está registado no turismo de Portugal para passeios turísticos, tendo licença para transportar 21 pessoas, incluindo os 2 tripulantes. É o moliceiro mais moderno a operar na ria e um dos poucos a navegar à vela nos passeios turísticos. A sua vela maior tem cerca 80m2. Também já participou em inúmeras regatas. Foi recentemente pintado pelo artista Zé Manel. Os painéis são alterados regularmente com temas novos, para poder participar nos concursos de painéis que ocorrem em Aveiro e na Murtosa (Festa do São Paio). Tenta-se ser o mais criativo e original possível.
(texto de jorge bacelar)
mesmo ao lado um moliceiro em terra:
moliceiro do manuel valas
enquanto um é pintado para navegar outro procura novo dono!
é assim na terra que se diz “pátria do moliceiro”.
afinal, património é investimento na memória ou propaganda balofa?
para os edis da murtosa é propaganda: por todo o lado se pode ler a frase emblemática, mas nada se faz para que os moliceiros continuem a navegar na ria. que apoios dá a câmara municipal aos donos dos últimos moliceiros, para os manterem a navegar? é verdade que a câmara tem um moliceiro, mas que faz com ele?
desditosos filhos que tal pátria tendes!
todos os anos moliceiros são vendidos para fora do concelho, por falta de capacidade financeira dos resistentes para suportar os encargos com a sua manutenção. todos os anos os responsáveis pelo município a isto assistem e continuam a usar, sem qualquer vergonha, a frase ” murtosa pátria dos moliceiros”.
e é verdade, a murtosa é de facto a pátria, os donos da casa é que puseram um letreiro à porta a dizer vende-se.
o artista traça meticulosamente
as linhas que nos trazem o rosto
a memória das palavras
simples
das mensagens
complexas
dir-te-ei um livro
vogando sobre águas mansas
levando cultura na proa
pandas as velas
cheias de poemas
o moliceiro
é pessoa
(o pintor josé manuel oliveira a pintar um dos painéis da proa do moliceiro “pardilhoense”)
o peso das raízes
prende a nuvem ao sonho
gota a gota
sobre os dias cai o ser aqui
de novo
reencontro nas redes
as mãos
safando limos caranguejos bastos
a vida
depois do grito negro
do choco
na face
os homens são-me agora
mais próximos
deito-me ao comprido da ria
braços abertos
num abraço retido no fundo de mim
ergo-me por dentro
cresço árvore onde água
visto-me de palavras
de palavras ando
que de palavras me fui fazendo
sem saber se muitas
se poucas
apenas pelo prazer de
para o dia a dia
camisa garcia márquez
calças eugénio de andrade
sapatos sophia de mello breyner
um bruto carro
antónio lobo antunes
para a praia
polos marca vinicius
calções de banho drummond
chapéu faulkner
toalha miguel angel asturias
de inverno
impermeável proust
meias prévert
e você manuel bandeira
junto com zé gomes
aquecem os meus dias
óculos
esses não dispenso
para ler as marcas da roupa que visto
então só mesmo se forem fernando pessoa