cais palafita
saber de si
a maior sabedoria
(cais palafita; quintas do sul; torreira)
regresso
ao silêncio vestido de música
das notas escritas numa folha
não as entendo
olhos guiam mãos fraseados
que se perdem na criação de
escuto
a fuga das vozes para uma só boca
o marfim rebrilha à carícia dos dedos
estendo os olhos por sobre a sombra
busco uma luz possível
acendo o instante
(tone music school, coimbra; abril 2014)
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um piano
um homem
uma voz
uma mulher
jazz
laginha, o mário
rita maria
os que souberam
foram felizes
momentos luminosos
neste registo feito em 2008, na praia da vagueira, com a companha “o vencedor”, notam-se as seguintes características na junta de bois em primeiro plano:
– a canga é gandaresa, pequena e sem as decorações ricas das cangas vareiras
– os bois pequenos, demasiado para a tarefa que lhes é pedida (maiores os marinhões, bois de força criados para trabalhos pesados)
são estes pequenos pormenores que permitem identificar o onde e o como a memória é recriada.
(praia da vagueira; 2008)
guardei-te um momento
longe de tudo
o que te era familiar
queria-o assim
único
presente de um passado
em que te habitei sem o saberes
em que fui outro só porque
te conheci sem que me conhecesses
eu era apenas mais um
de entre todos os que para ti
eram o mundo
hoje continuo a ser teu habitante
quando tu já não te sentas na cadeira do costume
com os amigos de sempre
porque partiste
para lado algum
partiste
só isso
abraço-te agora como nunca
por dentro das palavras que deixaste
para mim não partiste
pela simples razão que sempre te tive
como te tenho hoje
embrulhado em palavras mágicas
são para ti estes barcos
gabo
navega com eles e sê onde
encontramo-nos por aí
murtosa; regata bico; 2007
o tempo gabriel
o tempo
o tempo que tu tão bem
construíste e desconstruíste
algures na floresta de maconde
um coronel
mortes anunciadas
(a tua a nossa a de todos)
cem anos
putas tristes
quantas histórias
fantasticamente reais
os buendia sempre
o tempo levou-te
o tempo
de estares aqui gabo
a névoa envolve tudo
a labuta dos dias da escrita
dos jornais dos livros dos editores
das palavras
gabo
por entre uma outra névoa
três homens arrancam da lama da ria
com que sobreviver nesta terra
nunca te leram
não sabem quem és
mas foi para eles
foi por eles que escreveste
abraço gabo
(torreira; cabrita de pé nos cabeços)
um momento raro em que todos se juntam para o mesmo prazer: a xávega
o vitor, o alfredo e o rui, representam o abraço no mar, dos jovens, sejam eles portadores de deficiência ou não.
ao rui, de costas na fotografia, portador de uma deficiência mental algo profunda, não há maior alegria do que poder ajudar nos trabalhos do mar.
a alegria que foi para ele ir um dia ao mar, ler-lhe essa alegria no rosto, foi um dos momentos mais belos a que assisti.
(torreira; companha do marco; 2010)

tudo agora é aqui
assim te sentes perante estas imagens
nada existe para além de
nada é
nada
suspendeste o tempo
és
regressas por instantes e
refazes tempos e cenários
a memória é a mão que te guia
nesta viagem quase impossível ao tempo
quando
ao lugar onde
tudo é recriado para ser mais ainda
suspendeste o tempo
sacodes o cabelo
voas no vento onde os cisnes
até quando?
(regata de moliceiros; bico; murtosa; 2007)
o massa, joaquim rodrigues, é neto do arrais faustino, nascido na murtosa e arrais de renome em meados do século XX, com nome de rua na torreira.
mas não é esta a história que aqui quero deixar. é a dos pescadores e do vinho, uma relação explosiva e histórica, muito pouco entendida por quem devia olhar fundo a vida destas comunidades.
escreveu o almirante jaime afreixo, na revista “a tradição” de beja, um conjunto de artigos subordinados ao tema “Pescas Nacionais: A Região de Aveiro”, no qual, e cito de memória, faz referência a uma das formas de pagamento dos arrais aos pescadores:
a marinha
era paga antes do primeiro lanço do dia e era constituída por pão e um quartilho de vinho (meio litro) que podia ser reforçada, em dias de mar mais bravo, por uma dose de aguardente.
se considerarmos que nas companhas se entrava muitas vezes com 9 anos de idade, fica-se com uma ideia de como era feita a iniciação dos jovens no mundo do vinho.
no mesmo artigo, jaime afreixo, diz ainda ser normal que os arrais ou donos da companha serem também proprietários de tascas que forneciam o vinho.
falamos de finais do século XIX, princípios de XX.
o massa, conseguiu vencer o vício de anos e, sem quaisquer aditivos, cortou completamente com o álcool há já bastantes anos, e mesmo na companhia de amigos, nem uma cerveja…. tem sempre uma garrafa de água.
é de fibra este massa.
nota: ao citar de memória, posso ter cometido alguma menos correcta informação, mas a ideia fica
(torreira; companha do marco; 2010)

que fique bem claro
o abecedário de abril
começa com c de capitães
40 anos de abril
não se fariam sem o 25 dos capitães
canta a galinha no poleiro
sai-lhe desafinada a voz
porque sem educação
outro galo cantaria se a dita
ao bicar no chão que pisa
reconhecesse que o milho que come
outros lho semearam
mas é fraqueza de galináceo
ter cérebro diminuto
e patas sujas
(ria de aveiro; torreira; porto de abrigo)