postais da ria (68)


meditação com a ria em fundo

a solidão, o silêncio, o corpo dorido, mariscar

a solidão, o silêncio, o corpo dorido, mariscar

tenho o tempo
que o tempo me der

sou o meu tempo
com todo o tempo
que lá couber

não mato tempo
nem o de antes
nem o que depois

não roubo tempo
ao tempo
que perder tempo é

ao tempo dou
tudo o que tenho
e ele quiser

um pouco de mim
num tempo qualquer

o que os olhos vêem o corpo não sente de tanto doer

o que os olhos vêem o corpo não sente de tanto doer

(ria de aveiro; torreira; mariscar)

o meu amigo ti antónio acabou


uma incógnita sempre o seu olhar

uma incógnita sempre o seu olhar

homem de mar
de poucas falas e muito saber
não lhe sei a idade
conheci-o no mar
na faina das companhas

anda agora apoiado
num cajado improvisado
em passeios curtos
com os olhos presos nas ondas
perdidos de já não

paramos conversamos
dizemos palavras poucas
silêncios que se dizem
nos olhos

família antiga na torreira
gerações muitas
com registo nas companhas
os acabou não acabam
diz

leio-lhes os nomes nos livros
em séculos que lá vão

o ti antónio caminha e parte
eu fico com a memória
e algo mais que aprendi

a vida não é mais que isto
ouvir e arrancar um sorriso
palavras mesmo se poucas
onde só a saudade
enche os olhos de sal

até já ti antónio

uma vida de mar

uma vida de mar

(torreira; 2013)

os moliceiros têm vela (46)


contigo quantos?

mais que barcos são homens e a sua história

mais que barcos são homens e a sua história

jamais negarei
o silêncio
as vozes por dentro
o clamor

não sei se algures
um homem poderá ainda
afastar as nuvens
num grito de sol ardente

as palavras que não digo
serão poucas
não procuro a perfeição
o meu tempo é hoje
o meu lugar aqui

sou mais um
mais um
um

contigo quantos?

se quisermos ser mais que silêncio e consentimento, seremos povo

se quisermos ser mais que silêncio e consentimento, seremos povo

(ria de aveiro; regata da ria; 2010)

crónicas da xávega (45)


o arribar da rede

cala, calão e manga - sequência do aparelho

cala, calão e manga – sequência do aparelho

a rede começa no calão: o stalone, rapaz alto, robusto e de muito músculo (vê-se na foto), agarra-o mantém-o rente ao chão

a seguir, o horácio, já amarrou à manga, o cabo de corda que servirá para que o calão passe ao lado do alador, para não se quebrar nem parar o alar

ao fundo, o alfredo, ampara a manga com o bordão, impedindo que as correntes de norte a arrastem.

stalone, horácio e alfredo - sequência dos camaradas

stalone, horácio e alfredo – sequência dos camaradas

(torreira; companha do marco; 2013)

os moliceiros têm vela (45)


ora batatas

vai haver vento

vai haver vento

cultivam as palavras
como se agricultura diversa
no engano de ser verde
a esperança gerada

falam bem dizem muito
calam quase tudo
vencem pelo que não dizem
não prometem
logo não é cumprir é normal

servem-se do medo como arma
do hábito
nascem vitórias como repolhos

ora batatas para tais palavras

houvesse vento em terra ...

houvesse vento em terra …

(murtosa; regata do bico; 2010)

modernices murtoseiras e coincidências


da esq. para a direita: manue silva; manuel vieira e zé rito

da esq. para a direita: manuel silva; manuel vieira e zé rito

depois de ter escrito, ontem dia 20 de janeiro de 2015, que na murtosa se deixavam morrer moliceiros – https://ahcravo.wordpress.com/2015/01/20/modernices-murtoseiras/ – e de sobre esta afirmação ter havido, no facebook, quem ironizasse; numa conversa com o Zé Pedro, em torno de comentários a uma foto da regata da ria de 2014, o zé diz-me que os moliceiros do ti manuel vieira (manel valas) estavam vendidos para o turismo de aveiro.

os moliceiros “manuel silva” e “manuel vieira” são mais dois que deixam a vela e vão passar a amputados nos canais de aveiro.

ao longo dos últimos anos têm vindo a ser vendidos moliceiros para o turismo de aveiro, porque os donos não têm capacidade financeira para os manter, nem quem na terra na manda lhes dá qualquer apoio, para além dos prémios das regatas, que não chegam para os custos de manutenção.

já uma vez citei almada negreiros, quando escreve que esta é  “A pátria onde Camões morreu de fome e onde todos enchem a barriga de Camões! “ . se substituirmos “Camões” por “ moliceiros”,  fica um retrato perfeito da região de aveiro “A pátria onde os moliceiros morreram de fome e onde todos enchem a barriga de moliceiros

o tempo passa, mudam os regimes e os mandantes, mas as mentalidades e a mediocridade mantêm-se.

já vi queimar e morrer muito barco nesta terra que se publicita como sendo a “ ria de aveiro um mar experiências” . como diziam os mais antigos, com que aprendi a ser homem, “haja decência senhores, haja decência”

de cabeça e alguns apontamentos aqui ficam alguns dados sobre moliceiros, provavelmente incompletos, a aguardar mais contributos e eventuais correcções de quem tenha mais informação.

Moliceiros tradicionais existentes em 2014

Murtosa

A. Rendeiro
Dos Netos
CM Murtosa
Sermar
Eco Moliceiro

Torreira

Manuel Silva
Zé Rito
Manuel Vieira
Cristina e Sara

Pardilhó

O Amador

Ovar

Pequenito (o único que tem apoio anula da autarquia)

Costa Nova

Pardilhoense (não participa activamente nas regatas, mas acompanha-as)
Marnoto
Inobador

Ílhavo

S. Salvador (não saiu do cais por falta de verba)
Moliceiros vendidos para turismo nos últimos 5 anos

Murtosa

Doroteia Verónica
José António
José Miguel
Reinaldo Belo

Torreira

Ricardo e Sérgio

Ovar

Lameirense
a realidade é esta, o mais podem ser sorrisos irónicos, silêncios cúmplices ou lágrimas de crocodilo, mas são só isso.

para certa gente, o futuro é o esquecimento do passado, infelizes, não sabem que assim se negam a si mesmos e ao próprio futuro.

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(torreira; estaleiro do mestre zé rito)