a desordem natural da coisas
quem quer pede
a quem conhece
quem pode dar
só assim terá
não afrontes quem
o dar pode
quem sabe um dia
terás também
(murtosa; regata do bico; 2007)
meditação com a ria em fundo
tenho o tempo
que o tempo me der
sou o meu tempo
com todo o tempo
que lá couber
não mato tempo
nem o de antes
nem o que depois
não roubo tempo
ao tempo
que perder tempo é
ao tempo dou
tudo o que tenho
e ele quiser
um pouco de mim
num tempo qualquer
(ria de aveiro; torreira; mariscar)
homem de mar
de poucas falas e muito saber
não lhe sei a idade
conheci-o no mar
na faina das companhas
anda agora apoiado
num cajado improvisado
em passeios curtos
com os olhos presos nas ondas
perdidos de já não
paramos conversamos
dizemos palavras poucas
silêncios que se dizem
nos olhos
família antiga na torreira
gerações muitas
com registo nas companhas
os acabou não acabam
diz
leio-lhes os nomes nos livros
em séculos que lá vão
o ti antónio caminha e parte
eu fico com a memória
e algo mais que aprendi
a vida não é mais que isto
ouvir e arrancar um sorriso
palavras mesmo se poucas
onde só a saudade
enche os olhos de sal
até já ti antónio
(torreira; 2013)
contigo quantos?
jamais negarei
o silêncio
as vozes por dentro
o clamor
não sei se algures
um homem poderá ainda
afastar as nuvens
num grito de sol ardente
as palavras que não digo
serão poucas
não procuro a perfeição
o meu tempo é hoje
o meu lugar aqui
sou mais um
mais um
um
contigo quantos?
(ria de aveiro; regata da ria; 2010)
o arribar da rede
a rede começa no calão: o stalone, rapaz alto, robusto e de muito músculo (vê-se na foto), agarra-o mantém-o rente ao chão
a seguir, o horácio, já amarrou à manga, o cabo de corda que servirá para que o calão passe ao lado do alador, para não se quebrar nem parar o alar
ao fundo, o alfredo, ampara a manga com o bordão, impedindo que as correntes de norte a arrastem.
(torreira; companha do marco; 2013)
ora batatas
cultivam as palavras
como se agricultura diversa
no engano de ser verde
a esperança gerada
falam bem dizem muito
calam quase tudo
vencem pelo que não dizem
não prometem
logo não é cumprir é normal
servem-se do medo como arma
do hábito
nascem vitórias como repolhos
ora batatas para tais palavras
(murtosa; regata do bico; 2010)
depois de ter escrito, ontem dia 20 de janeiro de 2015, que na murtosa se deixavam morrer moliceiros – https://ahcravo.wordpress.com/2015/01/20/modernices-murtoseiras/ – e de sobre esta afirmação ter havido, no facebook, quem ironizasse; numa conversa com o Zé Pedro, em torno de comentários a uma foto da regata da ria de 2014, o zé diz-me que os moliceiros do ti manuel vieira (manel valas) estavam vendidos para o turismo de aveiro.
os moliceiros “manuel silva” e “manuel vieira” são mais dois que deixam a vela e vão passar a amputados nos canais de aveiro.
ao longo dos últimos anos têm vindo a ser vendidos moliceiros para o turismo de aveiro, porque os donos não têm capacidade financeira para os manter, nem quem na terra na manda lhes dá qualquer apoio, para além dos prémios das regatas, que não chegam para os custos de manutenção.
já uma vez citei almada negreiros, quando escreve que esta é “A pátria onde Camões morreu de fome e onde todos enchem a barriga de Camões! “ . se substituirmos “Camões” por “ moliceiros”, fica um retrato perfeito da região de aveiro “A pátria onde os moliceiros morreram de fome e onde todos enchem a barriga de moliceiros“
o tempo passa, mudam os regimes e os mandantes, mas as mentalidades e a mediocridade mantêm-se.
já vi queimar e morrer muito barco nesta terra que se publicita como sendo a “ ria de aveiro um mar experiências” . como diziam os mais antigos, com que aprendi a ser homem, “haja decência senhores, haja decência”
de cabeça e alguns apontamentos aqui ficam alguns dados sobre moliceiros, provavelmente incompletos, a aguardar mais contributos e eventuais correcções de quem tenha mais informação.
Moliceiros tradicionais existentes em 2014
Murtosa
A. Rendeiro
Dos Netos
CM Murtosa
Sermar
Eco Moliceiro
Torreira
Manuel Silva
Zé Rito
Manuel Vieira
Cristina e Sara
Pardilhó
O Amador
Ovar
Pequenito (o único que tem apoio anula da autarquia)
Costa Nova
Pardilhoense (não participa activamente nas regatas, mas acompanha-as)
Marnoto
Inobador
Ílhavo
S. Salvador (não saiu do cais por falta de verba)
Moliceiros vendidos para turismo nos últimos 5 anos
Murtosa
Doroteia Verónica
José António
José Miguel
Reinaldo Belo
Torreira
Ricardo e Sérgio
Ovar
Lameirense
a realidade é esta, o mais podem ser sorrisos irónicos, silêncios cúmplices ou lágrimas de crocodilo, mas são só isso.
para certa gente, o futuro é o esquecimento do passado, infelizes, não sabem que assim se negam a si mesmos e ao próprio futuro.
(torreira; estaleiro do mestre zé rito)