postais da ria (565)


NÃO
assim em maiúsculos inusuais
como um grito de revolta
pedrada nas janelas dos dias

NÃO
assim em maiúsculos inusuais
como um grito de revolta
pedrada nas janelas dos dias

NÃO
posso calar tudo o que dentro
de mim ferve e se impõe
contra o silêncio a prepotência

NÃO
o ter armas poder dinheiro NÃO
tem força de lei mas sim
marginais loucos engravatados

NÃO
aceito a conversão de dólares
em crianças assassinadas
o lucro cego pago com sangue

NÃO
chamem-me perigoso terrorista
escrevam o meu nome
a vermelho mas ESCREVAM que

NÃO me verguei nunca

NÃO
ao GENOCÍDIO em GAZA
ao governo de netanyahu
NÃO à GUERRA SIM à PAZ

PALESTINA LIVRE

(regata de bateiras à vela; s. paio; torreira; 2017)

crónicas da xávega (614)


escolho escolher

escolho o que como
o que bebo sei o que posso
onde vou e quando

eu na minha inteireza sou
rocha antiga firme
em convicções e causas

não conheço quem
possa escolher um povo
que não o escolha

é pescadinha de rabo
na boca e isso
só com arroz de tomate

(xávega; zorra carregada com barco em fundo; torreira; 2013)

crónicas da xávega (613)


cavar fundo
revolver a terra

cavar mais fundo
abrir pedras

na raiz da palavra
o coração do poeta

saboreio o fruto
digo o poema

(xávega; rede seca carregada a preceito; o voo do saco; torreira; 2013)

nota: depois de ter secado, estendida no areal, a rede é colocada sobre a zorra – estrado de tábuas pregadas sobre toros, com uma corda para poder ser traccionada – com a seguinte sequência : mão de barca; saco; reçoeiro (terminologia da torreira)

a fala dos retratos (171)


” … quando puder venha nos visitar, alguns de nós sentimos a sua falta … já fazia parte da nossa história … da torreira, era e é um de nós.”

(joão manuel brandão)

(torreira; 2012)

(nota: foto publicada com autorização do retratado. o registo foi feito a bordo da bateira, no final de uma sessão de mariscar com o uso de cabrita alta)

crónicas da xávega (612)


a palavra escrita digo
devagar soletro
a emoção com os dedos

cego caminho pelas letras
repito-me repetes-me
eu sou as minhas palavras

pensava que o sabias
que me ouvias e era gravura
antiga em rocha dura
o que te dizia

sabes não há verdades
eternas nem mentiras que muito
durem o sol hoje é lá fora

não o será sempre
que outras estações virão

(xávega; aparelhar; torreira; 2013)

os moliceiros têm vela (575)


hoje é dia de s. paio

os cisnes da ria poisam e voam
sobre a lisura das águas

livres de gabinetes e cálculos
de enganos elaborados
por mandantes e candidatos

é hora de vender gato por lebre
é tempo há muito tempo
de semear ilusões e colher pelouros

os moliceiros são o colorido da ria
onde negros corvos
fazem falsas promessas colhem votos
cargos futuros euros

os cisnes da ria livres e belos
nunca serão património nacional
sequer da humanidade nunca

os cisnes da ria são moliceiros inteiros
homens e barcos fundidos
na herança na tradição e no sonho

os cisnes da ria poisam e voam
sobre a lisura das águas
ignoram o cinismo são emblema

(regata de moliceiros; s. paio; torreira; 2017)