(re)começar

o arribar da mão de barca
depois de mim
tudo continuará
porque não
começar já o depois?
(costa de lavos; companha do armando; 2017)
(re)começar

o arribar da mão de barca
depois de mim
tudo continuará
porque não
começar já o depois?
(costa de lavos; companha do armando; 2017)
carta ao meu amigo miguel bitaolra

o tempo correu depressa
ti miguel
você deixou o mar
o corpo já não permite
a dureza da faina
lembro-me de si
e do alfredo fareja
das alegrias
das brincadeiras
do mar ali e nós
o ti alfredo já partiu
já partiram muitos
a areia é ainda a mesma
os barcos ainda vão ao mar
ainda há companhas na torreira
apeteceu-me escrever-lhe
oito anos depois
de lhe ter tirado esta foto
apeteceu-me a memória do que foi
quando não sei o que será
apeteceu-me agora
e agora foi mais forte
abraço ti miguel

(torreira; 2009)
notas de um retirante

ti augusto
a partir de 2011 a companha do marco passou a ser composta maioritariamente por pescadores não residentes na torreira, nem no concelho.
o ti augusto, na fotografia, foi um deles.
para quem queira um dia fazer um estudo sobre a evolução das companhas da torreira, aqui fica mais esta dica.
recuso ser de férias

o carregar da rede na zorra
é tempo de olhar
de sentir tudo
o regresso cada dia mais
improvável
é também ele nebuloso
fui
no tempo que passou
espectador atento e preocupado
recuso ser de férias
sou
a impossibilidade de ser mais
sendo menos
fica a memória a pairar na praia
longe

veio do mar, irá agora ser entendido e secar
(torreira; companha do marco; 2016)
declaração

penso
logo resisto

(torreira; companha do marco; 2016)
meditação breve

carrega-se o saco para dar a volta ao barco pela ré
como areia por entre as malhas
dos dedos estes dias
tece-se a rede com fios de raiva
cansaço desespero
por vezes
caminha-se e é o mar
sempre o mar
que dá destino aos passos
não os homens
teima-se
teima-se muito
mas o carnaval é o ano inteiro
e não há máscara
que não caia ao anoitecer
acendo um cigarro
que não fumo
abro uma cerveja
que não bebo
e faço de conta que existo
para me rir de mim

não há máquinas para estas tarefas: há homens
(torreira; 2010)
de mim

a manga corre por entre os bordões cruzados
tudo o que te disserem
a meu respeito
é verdade
mesmo as mentiras

o saco aproxima-se, a rede corre sem tocar na areia
(torreira; companha do marco; 2013)
do cigano

o luciano e o trovão
olho tudo como se
me despedisse
cheio de memória
sei que parto
dobrado ao peso
de ter tentado
vivi demasiado
o que não devia
quem te mandou cigano
pensar ter casa

o peso do saco
(torreira; companha do marco; 2010)
urgente

a picada do peixe aranha
provoca uma dor horrível
há porém quem os coza
e saboreie como petisco
é tudo uma questão
de treino e sabedoria
a culinária é uma arte
que tenho de aprender
rapidamente

(torreira; companha do marco; 2011)
para o meu amigo ricardo

aparelhar
só foi há 4 anos
ou
já foi há 4 anos?
esta coisa do tempo
e do senti-lo
tavas gordinho puto

a memória
(torreira; companha do marco; 2012)