estes dias

de incerteza se fazem estes dias em que os sábios ignoram e os ignorantes dão aulas de sapiência tempo de bruxas dirás de todos os santos dizem dos defuntos fiéis ou não que tudo incerto é
escrevo
escrevo o tempo com imagens guardadas nos baús digitais da memória comprada a informação diz-me o quando eu sei onde ainda sei quando tudo foi ontem e ontem foi há tanto tempo sei deste caminho feito de achares e perderes sei que valeu a pena homens que conheci para desconhecer o tempo tudo limpa e lava mesmo o que mais fundo à superfície vem escrevo o tempo com imagens como todos os que arriscam palavras escrevo-me também e isso não é novo para ninguém
“Recriação da safra à moda antiga” – foto 16
é quando o vento sopra forte
é quando o vento sopra forte que das árvores caem ramos folhas frutos alguns vermes é quando o vento sopra forte que as gaivotas pairam poisadas no vento por sobre o mar é quando vento sopra forte em dias de sol que se faz mais sal no talho mas não flor
amigos
então trocas os nomes confundes os rostos reconheces a voz mas é tarde não tardou o tempo a crescer onde diminuis então trocas os nomes os que não esqueceste que a memória também os amigos sorriem e respondem por um nome que não é o deles os amigos são para além do nome o gesto o abraço o sorriso então sorris também porque não há trocas na amizade
ninguém mata o que foi
guardo o tempo no fundo dos olhos decoro com palavras as imagens nascem rostos nomes aconteceres não invento passados para ser hoje caminho leve de ter sido porque inteiro sou o que o tempo conta não o que contam abraço o sol e a noite os dias cheios ninguém mata o que foi
O Deserto Tatuado seja qual for a página em que o livro se abra eu leio-o ajoelhado ao lado de uma cama qualquer podiam ter-me baptizado numa banheira e terem-me posto asas em segunda mão asas de leilão não me teria importado mas os deuses revelaram-se grotescos desfilaram diante de mim como se numa inspecção com gaze suja sobre os olhos quando a estrada se bifurcou seguiram em ambas as direcções disfarçando-se de lugares que eu não conseguia encontrar com as suas penas transformadas em samambaias e quando os alcancei eram paisagens distantes deslizando através dos meus dedos e deixando um estranho cheiro nas minhas mãos enquanto o velho chapéu debaixo da torre repetia a mesma história e uma boca desdentada ensaiava um esgar o de cara de porco começou a comer os próprios dedos e então fugi procuraram no vazio que deixei mas encontraram-me de novo no quarto dos fundos do andar de cima de outra casa com uísque ressacado martelando na minha língua e novamente saltei pela janela e fugi escorreguei por uma árvore debaixo de chuva gótica devia estar meio louco quando parti assim sozinho de bicicleta pedalando em direcção aos trópicos levando comigo um medicamento para o qual ninguém achara ainda a doença e esperando chegar a tempo atravessei uma aldeia de papel dentro de uma cúpula de vidro onde os exploradores pela primeira vez encontraram o silêncio e o ensinaram a falar onde os velhos ficavam sentados à porta de casa matando sem piedade a areia irmãos gritei digam-me quem levou daqui o rio onde vou achar agora um sítio bom para me afogar. lentamente eles ergueram o olhar este é o deserto tatuado disseram-me tudo o que vai sobreviver será a tua memória depois entraram nas suas casas em chamas e fecharam as portas fiquei na noite desencantada com o meu pulso latejando como um bilhete quase a ser rasgado enquanto as montanhas experimentaram todas as posições possíveis e, finalmente, dormiram de costas voltadas umas para as outras quando encontrei o rio ele era o que eu esperava apenas um velho muro deitado coberto com fotos místicos mortos enterrados nas margens cada um com seu telefone ao lado reconheci o local conhecia todas as passagens secretas deve de ter sido aí que nasci os olhos gentis do rio olharam para cima sem censura e aqueles passados flutuantes falaram comigo isto é cremação pela água disseram nós que fomos aqui queimados regressaremos sem cinzas no som do toque de sinos de cera e no testemunho de árvores sem boca enquanto eles falavam o céu chegou e vi a pele perfeita da luz o vento empurrava as montanhas a uma velocidade incrível e de repente foi manhã depois do nada o meu fiel servo Pain que me seguiu por todo este caminho aproximou-se com um presente um morcego adormecido empanturrado de sangue anda sempre comigo como um aviso para aqueles que tentam fazer-me retornar vejam direi mostrando-o nós sobrevivemos a mais uma noite ******* The Tattoed Desert at whatever page the book fell open I read it and knelt beside every bed they could have baptized me in any tub and fitted me with second hand wings at the auction I wouldn't have minded but the gods turned out to be grotesques they paraded before me as if for inspection with dirty gauze over their eyes when the road forked they took both ways they disguised themselves as places I couldn't find their feather turned into ferns and when I reached out to them they were distant landscapes moving through my fingers and leaving a strange smell on my hands while the old hat under the tower was telling the same story and the toothless mouth was getting ready to grin the one with a face like a pig began to eat his own fingers and then I ran away they initialed the space I left empty but they found me again upstairs in the back bedroom of another house with whisky hitting my tongue like a hammer and again I climbed out the window and slid down a tree in the gothic rain I must have been almost crazy to start out alone like that on my bicycle pedaling into the tropicis carrying a medicine for which no one had found the disease an hoping I would make it in time I passed through a paper village under glass where the explorers first found silence and taught it to speak where old man were sitting in front of their houses killing sand withou mercy brothers I shouted to them tell me who moved the river where can i find a good place to drown slowly they raised their heads this is the tattooed desert they told me all that will survive of it will be what you remember then they went into their flaming houses and closed the doors and I rode on through the disappointed night with my pulse beating like a ticket about about to be torn while the mountains tried every possible position and finally slpet with their backs to one another when I found the river it was what I expected just an old wall lying down covered with pictures dead mystics were burried on its banks each with his telephone beside him I recognized the place I knew all the secret passages it must have been where I was born the gentle eyes of the river looked up without reproach and those floating past spoke to me this is cremation by water they said we who are burned here rise up without ashes we are repeated in the sound of wax bells ringing and the testimony of mouthless trees while they spoke the sky arrived and I saw the perfect complexion of light the wind was blowing the mountains away at an incredible speed and suddenly it was morning after nothing my faithful servant Parry who had followed me all this way approached holding out a gift and I took it a sleeping bat gorged with blood all day i will carry it with me as a reminder to those who try to take me back see I will say holding it up to them we have survided another night