mãos de mar (12)


utensílios primordiais

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utensílios primordiais
a navalha e o bordão
no repartir do trabalho
e do seu fruto

as mãos são
as mãos de tantos quantos
para além delas
habitam o tempo
gravado no bordão

escrita sábia esta
sem palavras
escultura elementar
em louvor dos dias

parto e já não sou tão pouco
sou mais um
vejo para além do que vejo
cresci

ganhei o mar que pressinto
para ser barco homem memória

(torreira)

os moliceiros têm vela (246)


em louvor do moliceiro

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o mestre zé rito e o avelino

fazem os homens
o barco que os faz
e no fazerem-se
são mais que eles

queria dizer-te
que o teu tamanho
como escreveu pessoa
é o tamanho do teu sonho

e tu
oh homem pequeno
de trazer por casa
se não fores barco
não serás sonho
nem terás tamanho

tenham piedade de ti
que eu não

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ilusão o serem os homens menores que o barco, porque iguais

(torreira; agosto de 2016)

os moliceiros têm vela (237)


falo do moliceiro

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um barco
não tem raízes
é raiz

navega memórias
redesenha silêncios
inventa futuros

o homem criou o barco
e nele se enraizou
para fazer a viagem

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(torreira; regata do s. paio; 2016)

fotografar moliceiros de dentro de um moliceiro é viver mais a fotografia

crónicas da xávega (173)


estive aqui de férias

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no verão de 2013, o cipriano carrega o saco na zorra

olhar sem sentir
olhar apenas sem pensar
estou aqui de férias

ilusão tudo o mais
para além de mim

quem cá está
cá ficará
eu partirei
sem saber se

o meu amanhã
é em toda a parte
o meu ontem
passou por aqui
o que fui é o ser
assim onde estiver

há mais mar que homens
há mais sonho que rebanhos

não preciso de pastor
basta-me o barco
que trago dentro de mim

vou comigo
para que sejam
e continuem

estive aqui de férias

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cipriano brandão, em 2013 (o vício do mar)

(torreira; companha do marco; 2013)

crónicas da xávega (123)


da raiva

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podem os homens
vencer o mar
ser o barco a casa

pode o mar calar
os homens
ouvir as mulheres

pode esta raiva
que trago no peito
salgar-me os olhos
enquanto pergunto

porquê

por muito pouco
que saibas do mar
saberás sempre
menos dos homens

fica a raiva a rugir
nas manhãs dos dias
breve anoitecidos

amarelecida espuma

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(torreira; companha do marco; 2013)