
crónicas da xávega (291)

balanço
deito-me cansado
de tudo
olho-me ao longe
no ter sido
estranho serem minhas
as palavras
quem era eu que me
não sei
(torreira; 2013)
um barco
o corpo
o mar
o prazer
as ondas
um barco
(praia de mira; 2010)
utensílios primordiais
utensílios primordiais
a navalha e o bordão
no repartir do trabalho
e do seu fruto
as mãos são
as mãos de tantos quantos
para além delas
habitam o tempo
gravado no bordão
escrita sábia esta
sem palavras
escultura elementar
em louvor dos dias
parto e já não sou tão pouco
sou mais um
vejo para além do que vejo
cresci
ganhei o mar que pressinto
para ser barco homem memória
(torreira)
em louvor do moliceiro
o mestre zé rito e o avelino
fazem os homens
o barco que os faz
e no fazerem-se
são mais que eles
queria dizer-te
que o teu tamanho
como escreveu pessoa
é o tamanho do teu sonho
e tu
oh homem pequeno
de trazer por casa
se não fores barco
não serás sonho
nem terás tamanho
tenham piedade de ti
que eu não
ilusão o serem os homens menores que o barco, porque iguais
(torreira; agosto de 2016)
falo do moliceiro
um barco
não tem raízes
é raiz
navega memórias
redesenha silêncios
inventa futuros
o homem criou o barco
e nele se enraizou
para fazer a viagem
(torreira; regata do s. paio; 2016)
fotografar moliceiros de dentro de um moliceiro é viver mais a fotografia
o presente
guardaram-lhe para o fim
o presente mais apreciado
esqueceram-se de lhe dizer
que era envenenado
(torreira; 2013)