crónicas da xávega (162)


quero ser barco

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estátua nome de rua
jardim praça medalha
não as quero
sequer as mereço

nada fica
de quem a tudo se deu

se me disserem de pedra
acreditem
tudo o que de mim digam
é verdade ou foi

estou cansado velho
gasto desconjuntado

no tempo que me falta
quero ser barco

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(torreira; coampanha do marco; 2014)

crónicas da xávega (161)


o arribar

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depois de presos os ganchos nos arganéis da proa – arribar de proa – é preciso correr para fugir ao perigo, não só porque pode haver um movimento lateral do barco, mas também porque o tractor começa de imediato a puxá-lo para terra.

é um momento perigoso para todos.

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(torreira; companha do marco; 2013)

crónicas da xávega (160)


só esses

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a companha carrega o saco na zorra

vêm da terra as vozes
que não ouvimos
o termos nela raízes
é o silêncio de sermos
sem necessidade de alarido

escrevo nós
e não é o pronome que ouço
são os laços
tão fortes e tão frágeis
que o tempo romperá a seu tempo

não precipites os dias a haver
vítima serás
se carrasco quiseres ser

abraço quem me abraça
escreveu o poeta
eu também

só esses

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todos unidos, são a companha

(torreira; companha do marco; 2015)

crónicas da xávega (156)


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e vai ao mar

enquanto o novo M. Fátima espera que as burocracias se completem para ir ao mar, aqui fica uma recordação de 2012, do barco agora em descanso.

brava gente esta, a dos homens da xávega. saibam respeitá-los e dar-lhes condições de trabalho.

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momentos de mar

(torreira; companha do marco; 2012)

crónicas da xávega (154)


dar voz a quem

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saco seco, sacudido, para cima da zorra

a fotografia aos fotógrafos
a poesia aos poetas
nada mais vos quero deixar
que a memória das gentes
as palavras do que sinto
sou ou tento ser

tenho a noção
do quão pouco valho
mas não seja por isso
que nada faça

como esta gente carrega
as redes que ao mar se hão-de fazer
também eu dou o que tenho
sabendo que mesmo pouco
falta fará que seja feito

leio vejo escuto
com nada fico
se tenho dou reparto
migalhas sejam
como estas

pão à mesa de quem
não tem voz

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a companha são todos

(torreira; companha do marco; 2015)

crónicas da xávega (153)


HOMENS

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a pancada é dura

sei que antes de entrarem
no barco olham o mar

sei que se benzem
sei que têm fé

sei que precisam de
ir ao marpara ganhar a vida

porque gostam
porque é um desafio

porque são HOMENS

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HOMENS

(praia de mira; companha do zé monteiro; 2010)

crónicas da xávega (152)


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o stalone, o horácio, o calão, a mão de de barca, a manga

ao fundo virá o saco

no fundo do saco, talvez peixe

se peixe houver, que peixe será

se for do vendável, a como o comprarão, se é que o comprarão

é peixe fresco, é peixe do mar, é suor desta gente

quem o come, come ouro, mas alguns ainda o querem dado. estão de férias e esquecem-se que só o estão, porque lhes pagaram o ano inteiro.

quando aqui chegares traz mais
que uma máquina
um fato de banho
um desejo de sol e mar

traz o entendimento
que esse
nunca o deixes ir de férias

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(torreira; companha do marco; 2013)