é tarde para


ainda

 

vivo assim

sentado a andar

à deriva neste tempo

a que pertenço e não me é

 

estranho-me de estar

mas estou sem me mudar

sou ainda a continuação

de uma juventude longe e perto

de um sonho por acabar

de um ser erecto

 

vivo assim

entre mim e eu próprio

num diálogo de passados e futuros

que se encontram no ser hoje

a raiva, a desilusão, a amargura

 

vivo assim

assim me queiram

ou não

é tarde para

quando o mar trabalha na torreira_preciosa


preciosa

 

pelo mar entro
como se em casa
meigas as ondas
afagam-me as pernas
mãos de mãe
beijos de amante

irmã mais nova
de quantas por aqui andaram
trago no corpo a alegria
de estar viva

mulher menina
nada e criada
entre mar e areia

correm-me barcos nas veias
e são peixes estes braços
que te apertam
nas malhas de amar

(torreira; século XX)