eu sou a casa


uma vela, apenas isso

 

estar em casa

é estar em mim

 

aqui a música é minha

sou eu

que a escrevo com palavras

que a desenho

na pauta do corpo

 

encontrar-me-ás

sempre em casa

porque eu sou a casa

tijolo a tijolo erguida

a partir do chão sentida

 

encosto ouvido ao mar

batem-me à porta

fico na dúvida

se não serei eu lá fora

 

entra

a casa é humilde

sem decorações avulsas

enchem-na a memória

livros, discos, rabiscos

 

eu

eu sou a casa

que mais querer então?

memória do além tejo_encontro de olaria do redondo_junho 1981


 

 

quanto ficou por dizer

em tudo o que fizemos

 

bêbados de alegria

percorríamos as ruas

as tascas eram o santuário

do nosso encontro

 

dáva-mo-nos as mãos como velhos amigos

tudo partilhámos

sabido que é

que tudo quanto é belo

cedo morre de loucura

 

com a mesma sofreguidão

com que virávamos cervejas

sorvemos estes dias que recordo

como se fossem anos

e fizeram de cada um

um outro ainda muito diferente

só porque soubemos estar  juntos

 

(30 anos depois, a memória dos dias vive)