
mãos de mar (58)


auto-retrato

ganhar o mar
aprumadas raízes
frondosos ramos
como é difícil
ser árvore no mar
(praia de mira; 2010)

o ti américo, numa ida ao mar em 2011, o primeiro ano em que trabalhou na torreira
a 23 de outubro de 2009, participei no museu de ílhavo, num colóquio que tinha por título “Falas do mar/Falas da ria”, aí se questionou o porquê de serem conhecidas tantas falas dos trabalhadores da terra e não serem muito conhecidas falas de pescadores..
no dia 18 de novembro, num espectáculo intitulado “Quando o homem lavrava o mar”, realizado na sala dos “caras direitas”, na figueira da foz, passou um registo fílmico sobre o alar manual das redes das traineiras, e era perfeitamente audível a fala/canto com que os pescadores marcavam o ritmo da alagem.
em 2016, pedi ao ti américo, pescador de esmoriz mas a trabalhar na torreira, na altura com 78 anos como refere no video, que cantasse como o fazia no tempo em que, “puto” ainda”, ia ao mar.
não fica letra completa, mas fica o que a memória preservou
disseram-me alguns pescadores que era hábito, quando iam ao mar, entoar o padre nosso cantado de acordo com o ritmo dos remos, não consegui porém, na torreira, recolher qualquer registo.
este é o único que consegui até hoje. e vale muito.
obrigado ti américo
(torreira, 18 de agosto de 2016)

apresentação realizada no auditório municipal da figueira da foz, integrada nos “7Sentidos”- Festa do Teatro e da Fotografia” organizada pelo Pateo das Galinhas – Grupo Experimental de Teatro.
a apresentação do livro foi feita por antero urbano e as falas interpretadas por actores do pateo: helena adão, ligia bugalho, filipa almeida, vitor silva e rui féteira.
o apoio da divisão da cultura da câmara municipal da figueira da foz, nomeadamente a disponibilidade de anabela zuzarte e da equipa técnica do auditório foi fundamental e inesquecível.
a todos os que estiveram presentes, ou por motivos inesperados não puderam estar, um grande abraço
(do evento fica o registo feito pelo amigo santos silva e editado por mim)
balanço

deito-me cansado
de tudo
olho-me ao longe
no ter sido
estranho serem minhas
as palavras
quem era eu que me
não sei

(torreira; 2013)
nós

não há geografia
que mate os afectos
impossível desatar
nós ancestrais
entrego-me nas mãos
do tempo e sou
(torreira; 2010)
um barco

o corpo
o mar
o prazer
as ondas
um barco

(praia de mira; 2010)
desafio

todo o desenho
não é mais
que um esboço
quase perfeito
inventar o esboço
é o desafio
mais que perfeito
(costa de lavos; 2017)
até amanhã

plantaram-me
sobreiro
no meio do mar

(torreira; 2012)
quando o mar trabalha

depois de seco o saco é de novo fechado para o aparelho da xávega poder fazer novo lanço. ao acto de fechar o saco chama-se “dar o porfio”, é o que está a fazer o meu amigo agostinho canhoto
é de rede
deitada ao mar do tempo
este livro
em terra
ficará a contar estórias
a falar de muitas vidas
e saberes
fora dele muito mais
que para tudo
saco não havia
e peixe houve que saltou
deu-se o porfio
fechou-se o saco
é na praia que encontras
os búzios que procuraste
em casa
(torreira; 2011)