de mim
a minha terra
é o mar
(torreira; 2010)
de mim
a minha terra
é o mar
(torreira; 2010)
bem hajam
vivo e escrevo
sempre a direito
por isso recebo
tantas
respostas tortas
bem hajam
(torreira; largar da solheira; 2010)
aturem-me
escrever no tempo
em que me inscrevo
é recusar ser folha
que o vento leva leve
é ser ainda a pedra
na vidraça dos dias
no charco dos conformados
dizer com voz firme
estou vivo porra
recuso-me a morrer
antes
de estar morto
aturem-me
(torreira; regata da ria; 2013)
Breve súmula do evento
A procissão dos barcos pela Ria no Dia de Corpo de Deus, começou a ser realizada em 2010 e partiu da iniciativa do Padre Abílio Araújo – pároco da Torreira. A finalidade é envolver a comunidade piscatória com a comunidade das Quintas, em cuja Capela da Sra da Paz é celebrada a Eucaristia, durante a qual comungam todas as crianças que fizeram a primeira comunhão nesse ano.
Ao princípio da manhã saem da Torreira dois moliceiros, um com as crianças que vão comungar e os seus acompanhantes e outro com o Padre Abílio, o diácono e os acólitos. Os pescadores vão nas bateiras e nas chatas.
No fim da eucaristia realiza-se a procissão entre as Quintas e a Torreira.
Normalmente, no regresso, à frente vai um grupo de acólitos numa bateira, com a cruz e as lanternas, num moliceiro o Padre Abílio com o diácono e o restante grupo de acólitos, as crianças vêm todas juntas noutro moliceiro.
Procurei nesta pequena reportagem, realizada em 2017, filmar a procissão na ria e mostrar como ela pode ser uma festa e uma celebração de fé da comunidade piscatória da Torreira.
(o meu agradecimento a Lucinda Barbosa, Presidente da Junta de Freguesia da Torreira, pelas informações que possibilitaram a construção deste descritivo)
cristais de mar
beijada pelo sol
a água adormece
no leito do talho
cristalina acorda
no estremecer
de humanas mãos
é agora sal
frágil flor
ínfimas pedras
cristais de mar
(morraceira; tirar; 2016)
“Portugal primeiro” pode servir para um campeonato, um festival, uma guerra, mas é com certeza o país onde gostei de nascer e espero morrer.
ahcravo gorim *
Vejo um jovem másculo, dinâmico, barbeado, praticante de culturismo, num concurso mundial de beleza masculina.
Das bancadas uma jovem, digna de capa de revista, grita: “Portugal primeiro”.
O jovem responde pelo nome, olha na direcção de onde veio a voz, enche o peito de ar, exibe os bícepes e os peitorais esplendorosos.
O júri, perante as amostras a concurso, mostrava-se indeciso na atribuição da classificação final. Porém aquele grito despertou-o da dúvida e a decisão foi tomada a quente.
Num placard erguido por sobre as cabeças ilustres dos membros do júri pôde ler-se de imediato: “Portugal primeiro”.
Depois acordo e estou a assistir pela televisão ao congresso de um partido, onde o candidato a líder afirma “Portugal primeiro”. Esfrego os olhos, não sei se ainda sonho. Utilizo o comando para voltar a rever e ouvir. Confirmado.
Ora Portugal é um País, ponto final, parágrafo.
Para uns é identificado pela Língua, Cultura, População, Geografia, Hino, Bandeira, selecções várias e por aí fora. Mas quantas Culturas há dentro da Cultura? E que dizer da População? Até na Geografia há tanta diversidade!
Para outros é um conjunto de indicadores que a deusa da estatística fornece e que podem ser manipulados consoante os fins pretendidos, há deusas assim. Números, números e mais números, frios, calculados e calculistas. Os escravos dos números só se libertarão com letras.
Siga o congresso!
“Portugal primeiro” pode servir para um campeonato, um festival, uma guerra, mas é com certeza o país onde gostei de nascer e espero morrer.
“Portugal primeiro” não é um projecto político, sequer um projecto para um projecto de uma proposta de uma política, é um vazio cheio de muita coisa e de nada.
Se a “demagogia é o principal inimigo da democracia” falar de tudo sem nada dizer e fazer disso uma bandeira o que será? “Portugal primeiro” o que é?
Estaria perfeitamente de acordo com a frase se me dissessem: somos contra os offshores, contra as mudanças de sedes de empresas para outros países, por exemplo. Gostava de ouvir isso claro e explícito. Mas será que é isso que se pretende?
“Portugal primeiro” não deverá ser encarado como o “America first” de Trump, mas que o pode fazer lembrar, isso pode e é perigoso. Até porque Rio não é Trump, embora muitos portugueses ainda sonhem com a América.
* Aposentado da função pública, mestre de artes e ofícios.
o link para a crónica
http://www.noticiasdeaveiro.pt/pt/47232/portugal-primeiro/
vive
tudo é efémero
e belo
o momento existe
e tu
vive
(costa de lavos; 2017)
despede-te devagar
despede-te devagar
do sol
deixa que as gaivotas
na areia
se acolham para mais
uma noite
quando tudo serenar
e do norte
o vento amainar
então parte
(torreira; o carregar do saco;2009)
é pêxe
onde há mar
há pescadores
aprendo com eles
as artes
mais que os rostos
as palavras
tudo é novo
e tão antigo
não há geografia
que nos separe
quando é o mar
que nos junta
é pêxe o abraço
(alvor; empatar anzóis; 2018)
dos deuses
como se da caverna
saído
ofusca-me tanta luz
vejo o bisturi cortar
preciso
os mais ínfimos
detalhes
matando os deuses
sombras caminham
sombras
que sombra fazem
nada mais
como se da caverna
saído
ofusca-me tanta luz
os deuses
também morrem
(torreira; 2011)