postais da ria (170)


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o ti henrique cunha a cirandar

 

ainda há força nos braços
depois de horas
a arrastar a cabrita pelo lodo

a dança da cabrita
é violenta
o fruto é cada vez menos
abundam as conchas
onde antes bivalves

homens mulheres jovens
mais velhos
todos todos caminham
no lodo
parecendo ao longe
que sobre as águas

é tempo agora de cirandar
depois escolher
e no fim vender ao preço

que o comprador disser

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o ti henrique cunha a cirandar

(torreira; junho; 2016)

 

 

crónicas da xávega (167)


o mar tarda

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a albina e a aurora aos bordões da mão de barca

o mar tarda este ano
tarda o peixe no saco
tarda o pão na boca

que inverno
depois deste verão
que nunca?

olho-as e penso
mulheres do mar da torreira
que mar é este?

por dentro de mim
corre uma tristeza por tudo
e não há nortada
que limpe o nevoeiro
que carrego

vivo de algumas memórias
outras me matam devagar

o mar tarda e eu

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(torreira; companha do marco; 2013)

postais da ria (169)


pai e filho

(ensino-te a arte
que me ensinaram
dou-te o amor
que me deram
de pai para filho)

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o nuno (filho) enche a cabrita que o pai (nuno) segura

gostava que houvesse
futuro
por onde os meus olhos
ainda

gostava de te dizer
de pai para filho
deixo-te um amor
uma terra uma gente

mas sei
sinto
que me fico
por estas palavras
por este saber que

não há futuro aqui

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pai e filho, a mesma arte

(torreira; junho, 2016)

pai e filho têm o mesmo nome, nuno. pai e filho partilham a arte. até quando?

os moliceiros têm vela (217)


QUEM LUCRA COM A REGATA DA RIA?

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a regata da ria, a mais importante das 3 regatas de moliceiros que se realizam todos os anos, envolve 3 “actores”:

1 – o promotor da regata (que a financia)

2 – o organizador da regata (que paga os seguros, um almoço e um jantar aos moliceiros, as taças e distribui os prémios pecuniários)

3 -os moliceiros (pagam as despesas de manutenção dos barcos- pintura de painéis e reparações para a regata, custos que não são cobertos na totalidade pelos valores que recebem do organizador)

ou seja, o promotor dá dinheiro ao organizador, que paga aos moliceiros.

o interessante no meio deste processo é que quem organiza, gasta pouco e ganha muito –  DA REGATA DE 2015 AINDA CONTINUA A HAVER DINHEIRO POR PAGAR AOS MOLICEIROS – e os  moliceiros, gastam muito e ganham pouco.

será que ninguém vê isto? será justo? o que podem os moliceiros fazer para que as coisas passem a ser ao contrário: quem gasta pouco, que ganhe pouco (a organização), quem gasta muito que ganhe muito (os moliceiros).

será que os promotores não sabem o que se passa? quem é que anda a lucrar com a regata da ria?

os moliceiros é que não.

PAGUEM O QUE DEVEM AOS MOLICEIROS E REVEJAM A DISTRIBUIÇÃO DAS VERBAS

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(torreira; regata do s. paio; 2014)

postais da ria (168)


hoje quero aprender

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o rico enche a ciranda de berbigão e conchas, por entre as barras hão-de cair as conchas e o o berbigão miúdo

 

joeira os dias
ciranda as memórias

escolhe
lembra apenas o que

limpa-te das chagas
sofridas

sorri de lembrares
sorrisos

depois de o fazeres
ensina-me
como conseguiste

hoje quero aprender

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(torreira; junho, 2016)

postais da ria (167)


unem-se na partida

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o nelson arruma as redes, vai para o mar

arrumar as redes
é arrumar os dias

é tempo de partir
de ir ganhar a vida
que na ria se gasta

o arrasto o bacalhau
a pesca do alto

na ria não se faz vida
a desunião desfaz a força

unem-se na partida

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só parte quem ficando não faz vida

(torreira; 2016)

 

os moliceiros têm vela (216)


hoje continuo a ser eu

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o moliceiro “zé rito”

chegar ao mar
dizer bom dia à ria
ver sentir ser

esquecer tudo
viver apenas
o que os olhos

o deslumbramento
é breve

sinto na carne
a faca que me espetaram
e tudo se esvai

soma-se o que oiço
a exploração dos pescadores
o ludíbrio dos moliceiros

a verdade é mais forte
que toda a beleza
e o instante passou

por muito que me doa
hoje continuo a ser eu

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manejam os barcos com a mesma arte com que são manejados

(murtosa; regata do bico; 2009)

crónicas da xávega (165)


hoje estou vivo

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eh! gente do mar. voltei!

estou de regresso
ao mar à ria
a uma certa forma
líquida
de ter casa onde
navegam
amigos muitos

sorrio
porque ainda
ainda estou cá

os dias bebo-os todos
como se os últimos
porque se não repetem

estou vivo, caramba

hoje estou vivo

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estou de volta, ti horácio!

(torreira; companha do marco; 2014)