maria josé moreirinhas, na sua tese de mestrado “SOLIDARIEDADE E SOBREVIVÊNCIA NA RIA DE AVEIRO” – editada em 1998, com patrocínio da câmara municipal da murtosa – escreve na página 167 “ Em 1994, na Torreira, apenas apareceu um intermediário (para a compra de ameijoa e berbigão; o resto do pescado é vendido em Pardelhas) que, como único comprador estabeleceu o preço que lhe convinha” ……
estamos em 2017
a praça de pardelhas já não existe, os intermediários agora são 2 e compram tudo: berbigão, ameijoa, choco, linguado, lampreia …. são eles que estabelecem os preços e, no caso do berbigão, definem ainda as quantidades e os dias da compra.
acabou-se a capacidade de os pescadores venderem num mercado concorrencial, com todas as consequências que dai resultam para os seus rendimentos. mais ainda, existem contratos “de fidelização” com os intermediários, com aplicação de “multa” em caso de venda a terceiros.
de todos os pescadores da torreira, dos dedos de uma mão sobram muitos depois de contarmos os que não têm contrato com um intermediário.
não escrevo, nem digo mais nada. quem lê que tire as suas conclusões.
a ria, o rio, a laguna, como lhe queiram chamar, tem uma saída para o mar, os pescadores da torreira também. aos mais novos resta-lhes ainda emigrar ou, com alguma sorte, arranjar emprego na pouca indústria que na zona existe.
não há futuro na ria
nota: para quem se interessar pela vida dos pescadores da torreira aconselho a leitura do livro com que abro esta crónica
cacilda brandão, mulher do mar e da xávega da torreira
em primeiro lugar, queria dedicar estas breves palavras aos meus amigos, pescadores da xávega da torreira que, ao longo dos anos, foram partindo: antónio murta, zé trabalhito, alfredo fareja, estrela, antónio trabalhito, zé murta, joão pequeno, nicole, ti alfredo neto, ti antónio neto, carlos aldeia, carlos seminhas, antónio acabou, serra, vitor caravela, a todos os outros que já partiram e o nome não me ocorre e aos que continuam a arte, por isso a ti também ricardo silva.
erros que aqui possam encontrar estão sempre abertos a sugestões e correcções, este não é um texto de sábio, exaustivo ou fechado. é o que é, nada mais.
há já alguns anos que me tenho vindo a dedicar a fotografar companhas da torreira e da praia de mira e, em simultâneo, ao estudo da história da xávega. chegou o momento de deixar testemunho em palavras e vídeos (em que a qualidade não é o mais importante, mas sim a visualização dos procedimentos).
a minha primeira aprendizagem foi feita com um bom e “velho” amigo, o arrais joão da calada, da torreira, que me foi respondendo às perguntas que lhe fazia e enriquecendo o meu conhecimento teórico com o seu saber de arrais.
desde 2005 e até 2016 segui, ano após ano, a “companha do marco”, na torreira, e com ela continuei a minha aprendizagem, observando de perto a actividade e registando termos e técnicas.
fui ao mar com o chico giesteira, então arrais da “companha do pepolim” e várias vezes com a “companha do marco”.
resolvi juntar em 3 clips de vídeo, aqueles que considero os momentos relevantes de um “lanço de xávega”:
“ir ao mar”
“arribar e alar”
“alar e aparelhar”
publiquei já um vídeo a que chamei “um lanço de xávega” e onde se encontra registado, numa visão da bica da proa para dentro do barco, a ida ao mar, o largar das redes, o arribar e o aparelhar
nestes 3 novos registos a visão é do exterior, segmentada e procura fixar procedimentos.
comecemos então pelo princípio
1- xávega, arte-xávega, arte xávega, artes
são as designações utilizadas para designar esta arte de pesca, não cabe aqui a discussão sobre qual a mais correcta, há argumentos a favor de qualquer uma. eu uso “xávega”
2- companha
numa companha podemos distinguir dois grupos, mais ou menos fixos: os que vão ao mar e os que fazem trabalho só na praia. os primeiros também trabalham na praia, mas os segundos raramente, ou nunca, vão ao mar.
se a companha tiver um arrais digno desse nome, a organização das tarefas e sua atribuição fica estabelecida desde início e no decorrer do lanço só se vê uma “companha que funciona como uma orquestra”.
3- lanço
para mim o lanço começa no aparelhar do barco – carregá-lo com as redes, as calas (cordas) e os arinques (bóias) – e termina com o estender na areia a rede que foi ao mar e fechar de novo o saco.
há, é bom dizê-lo, dois tipos de lanços : “mão abaixo” e “mão acima”.
para os distinguir é necessário introduzir o conhecimento das designações das cordas (calas) que, fazendo fixe no “calão”, servem para puxar a rede. a que fica em terra quando o barco se faz ao mar chama-se “reçoeiro”, a que o barco traz quando vem do mar chama-se “mão de barca”.
num lanço “mão abaixo” – o mais vulgar – o largar da rede é feito de forma que a “mão de barca” fique a sul do “reçoeiro” – aqui como na ria, ou na ria como aqui, o norte é “cima” e o sul “baixo”.
num lanço de “mão acima” o largar da rede de cerco é feito de forma que a “mão de barca” fique a norte do “reçoeiro”.
4- largar
pela madrugada e depois de almoço, o arrais vai “ler” o mar para saber se se pode “trabalhar” no mar. na leitura entram vários factores de que destaco dois : a altura e o “ritmo” das ondas – diria, em termos simples que o ritmo das ondas se mede pelo número de ondas seguidas, 3,5, 7 …..- quanto maior for o ritmo mais dífícil é que a duração do intervalo entre duas séries consecutivas, o “liso” dê tempo para que o barco ganhe o largo. o arrais tanto lê o mar rente à praia, como ao largo – na torreira, devido ao declive da costa forma-se um “lago” entre a praia e o largo, que se atinge passando o “cabeço” -, por isso o arrais lê as ondas não só perto da praia mas também no “cabeço”.
para se fazer ao mar o barco, não há muitos anos, era impulsionado por uma “muleta” de madeira, apoiada numa peça – em madeira ou metal – existente no exterior da bica da ré, e era empurrada por um tractor de força – antigamente, na torreira até 2001, por bois.
quando se fazia ao mar o barco tinha três pontos de fixe: a “muleta”, o “reçoeiro” e a “regeira”. a muleta fixava-o porque a extremidade que se apoiava na bica da ré, tinha a forma de V que “abraçava” um pouco a costura das tábuas da ré. amarrava-se ainda ao golfião de estibordo uma corda – a “regeira” – que era atada a um bordão que se enterrava na areia, sempre a norte – são de norte as correntes dominantes – que forçava o barco a ficar perpendicular à praia. o camarada que fosse à ré a controlar o reçoeiro mantinha-o laçado na bica e, também ele, fazia mais um “fixe” para segurar o barco. aliás, era ele que ao largar o reçoeiro e ao grito de “bota!” dava ordem para que o barco largasse.
há praias em que o barco é levado ao mar em cima de uma estrutra metálica com rodas; noutras, como na praia de mira, a muleta foi substituída por uma estrutura triangular que apoia na pá do tractor; na torreira, desde 2011, a companha do marco passou a utilizar duas “muletas” – dois varões de aço que encaixam em cápsulas de metal fixas a meia altura do costado, e que são fixos ao tractor – exemplo logo seguido pela companha do “olá s. paio”. nestes casos o largar é muito mais seguro e não existe “regeira”.
5 – arribar
o momento mais perigoso numa ida ao mar é o “arribar”: o barco vem leve e só tem como “fixe” a “mão de barca”. repare-se como o arrais vai laçando a “mão de barca” na bica da ré para “segurar” o barco quando se aproxima o momento de “apanhar a onda certa e surfar até à praia”. a decisão de se fazer à praia tem muito de arte, saber e sorte.
tarefa arriscada também a dos homens que levam as cordas com os ganchos para enfiar nos “arganéis” da proa, é enfiar e correr, não vá vir uma onda traiçoeira e o barco atravessar-se ou avançar depressa demais – há registo de pernas esmagadas em situações destas. o tractor a que são presas e terá de tirar o barco do mar, tem uma responsabilidade enorme no sucesso destes momentos de tensão e perigo, de que poucos se apercebem.
mal o barco arriba, a “mão de barca” é levada a força de braços até ao tractor que lhe está atribuído e começa a “alagem”. em simultâneo começa a limpeza e aparelhar do barco.
6 – tarefas em terra: alar e aparelhar, porfiar
alar
como já disse acima, quando o barco se faz ao mar fica em terra a ponta do reçoeiro que é fixa ao tractor que lhe foi atribuído, o sentido de deslocação do barco, norte ou sul, determina o movimento do tractor, uma coisa porém é certa : o tractor do “reçoeiro” ficará sempre a norte do tractor da “mão de barca”. normalmente a alagem do “reçoeiro” começa por manter esticado reçoeiro quando o barco se faz “mar adentro”, caso haja uma deslocação inicial paralela à praia, ou desde o largar, se o barco largar logo mar adentro – perpendicular à praia – . o alar do reçoeiro começa sempre depois do barco largar da rede.
quando me referi ao aparelhar do barco falei nas “calas” sem as descrever. as “calas” não são mais que um conjunto de rolos de corda, amarrados uns aos outros por nós. repetindo-me, há duas calas: “reçoeiro” e “mão de barca”.
durante a alagem o saco tem de vir paralelo à praia para que o pescado não fuja, o que exige um controle permanente do andamento dos aladores e do trabalho dos elementos da companha que lhe estão afectos. os nós são uma referência permanente e, dada a distância por vezes grande entre o alador da “mão de barca” e o do “reçoeiro” a comunicação entre as duas equipas é feita por sinais de boné ou, mais modernamente, por intercomunicadores. o arrais está sempre atento a estes procedimentos, pois podem pôr em causa todo o lanço. quando os “arinques” do “reçoeiro” e da “mão de barca” estão ao alcance da vista são eles a referência do paralelismo. mas nem todos os olhos vêem o mesmo.
ao meio do saco existe um outro arinque a que chama “calime” ou “calima”.
quando a rede está a chegar à praia já o barco está aparelhado e toda a companha está pronta para “segurar as mangas” com os “bordões” – “estacadões” na praia de mira – e, no final, trazer o saco para seco.
aparelhar
aparelhar o barco é carregá-lo com a rede e as cordas que constituem o “aparelho”: a xávega.
para este processo podemos identificar duas esquipas: a que se ocupa da rede e do reçoeiro e a que trata da mão de barca.
a equipa da rede e do reçoeiro coloca-se sensívelmente a meio do barco, logo a seguir ao traste em direcção à ré e começa o aparelhamento com o carregar da rede seca que está em cima da zorra. no barco um camarada vai recebendo a rede e “arrumando-a”, os que estão na areia devem encaminhá-la limpa de areia e desembaraçada. a sequência é : rede, reçoeiro. rede no fundo, reçoeiro por cima, entre o traste e a antepara do motor. a rede termina no calão, ao qual é amarrado o reçoeiro. o saco dá uma volta na bica da ré, a que é amarrado para não cair, e vai até ao paneiro da proa.
a equipa da mão de barca trabalha do lado oposto do barco e entre o traste e o paneiro da proa. a cala mão de barca cala é presa ao calão que foi deixado acessível, apesar de se encontrar por debaixo das duas mangas : reçoeiro e mão de barca.
porfiar
quando o saco chega à praia é aberto por uma costura feita com fio mais grosso e fica de “barriga aberta”.
depois da rede seca há um camarada que “dá o porfio”, isto é, volta a fechar o que foi aberto para retirar o peixe.
e as raízes cresceram para a ria
atravessaram as conchas vazias
traiçoeiro chão
foram ao encontro das origens primordiais
olhei os rostos parados
poisados nas lápides de mármore branco
escutei as vozes antigas
e todas me disseram
és daqui gorim
erguidos os braços
as mãos saudavam-me de dentro das bateiras
do meio da ria
sabiam-me
em voz alta digo os nomes
chamo-os
reconheço neles a minha gente
voltei para partir?
não sei
só sei que estarei sempre aqui
como os que já cá não estão
os gorim
(torreira; 11 de fev de 2017)
na bateira o henrique gamelas ciranda a parca apanha de berbigão. a vida não está fácil na ria
Estudou nas universidades de Coimbra, Tübingen e Berlim, foi leitora de português na Universidade Técnica de Berlim e professora catedrática da Universidade Nova de Lisboa, onde ensinou Literatura Alemã e Literatura Comparada. A partir de 1995 passou a dedicar-se exclusivamente à escrita literária. Viveu três anos na Alemanha, dois anos em São Paulo, Brasil, e conheceu Moçambique, onde se passa o romance A árvore das palavras (1997). Foi escritora-residente na Universidade de Berkeley em 2004. É autora de vários livros de ficção, traduzidos em 11 línguas. Foram-lhe atribuídos os seguintes prémios: por duas vezes o Prémio de Ficção do PEN Clube (O silêncio, 1981, e O cavalo de sol, 1989), o Grande Prémio de Romance e Novela da APE (A casa da cabeça de cavalo, 1995), o Prémio Fernando Namora (Os teclados, 1999), o Grande Prémio do Conto Camilo Castelo Branco (Histórias de ver e andar, 2002), o Prémio Máxima de Literatura (A mulher que prendeu a chuva e outras histórias, 2008), o Prémio da Fundação Inês de Castro (2008), o Prémio Ciranda e o Prémio da Fundação António Quadros (A Cidade de Ulisses, 2011), o Prémio Fernando Namora (Passagens, 2014) e o Prémio Literário Vergílio Ferreira 2017 pelo conjunto da sua obra. Quatro dos seus livros foram adaptados ao teatro e encenados em Portugal, Alemanha e Roménia.Dois dos contos deram origem a curtas metragens e está a ser feita uma longa metragem a partir do romance Passagens.O seu livro mais recente é Prantos, Amores e Outros Desvarios (2016).Vive em Lisboa.
(no mesmo link poderá ser encontrada a lista exaustiva de obras, exposições individuais e colectivas)no dia 9 de fevereiro de 2017, na sala de exposições itinerantes do museu santos rocha, na figueira da foz, teolinda gersão e francisco simões, falaram de arte e mostraram que, por vezes, “é tão bom estar vivo aqui” e assim se registou
hoje dia 11 de fevereiro de 2017, pelas 16h30m, nas instalações do museu municipal COMUR, na murtosa, realizou-se a assembleia constitutiva da AFAVM – Associação de Fotografia e Artes Visuais da Murtosa.
foram 51 os sócios fundadores, somos 51 os sócios fundadores, somos já muitos, mas nunca somos bastantes. faltas tu.
fica o registo do preenchimento dos termos de aceitação pelo vogal da direcção, celestino silva, e do vice-presidente da assembleia geral, horácio graça, sob o olhar atento do presidente da direcção, joão cruz.
como é tradicional desejo – desejamos todos – à nova associação “longa vida” e grandes realizações.