dos homens e dos barcos
barcos sem homens
são fantasmas
poisados na ria
belos em horas felizes
tristes órfãos
porque lhes ignoraram
o terem pais
é urgente contar
dos homens
para que haja
barcos

(torreira; safar redes; 2013)
dos homens e dos barcos
barcos sem homens
são fantasmas
poisados na ria
belos em horas felizes
tristes órfãos
porque lhes ignoraram
o terem pais
é urgente contar
dos homens
para que haja
barcos

(torreira; safar redes; 2013)
ser da terra

ser da terra
não é por nela
berço ter tido
ser da terra
porque herdada
sabe a monarquia
em tempo de república
seja a gente da terra
a fazer-te um deles
ou negar-te
sê e faz
hoje sou vela e vento

(torreira; regata da ria; 2010)

da vida
(“não há ensinamento maior que o exemplo” – bruno vieira amaral)
no fim
muito próximo
do fim
desaprendi

(espinho; recriação da xávega com bois; 2012)
tenho sede
tenho a boca seca
de tantas palavras
e tão pouco nelas
como são pequenas
querendo ser algo
intenção apenas
um copo de água
um abraço
um ombro onde
escreva o poeta
poemas
eu quero gestos
tenho sede
da que se mata
com água

(armazéns de lavos; achegar; 2017)
redeiros
arte minuciosa essa
como se de aranha
labor de mãos sábias
recolho nelas
o terem sido antes de mim
muito antes
as mãos dos meus maiores
mãos duras e simples
de trabalho
mãos transparentes
e límpidas
mãos que faço minhas
com orgulho
de ser deles mais um
não escrever eu
como eles rede faziam
é o que me dói

(torreira; 2015)
para a ana
os anos passaram
rolos de corda
de uma outra safra
lembro-me de ti
e do alfredo
a teus pés menino
quantos rolos ana
quantas safras
o alfredo a crescer
a cada ano
um homem grande
o teu filho
menino por dentro
a sorrir
hoje lembrei-me de ti ana

(torreira; 2010)
deixa-os descobrir
deixa que pensem
a higiene mental diária
só lhes faz bem
ignoram porém
que tu também
as pedras no caminho
há sempre pedras no caminho
não são exclusivo de ninguém
deixa que pensem
que só as há no teu
entre a ignorância
e a sabedoria
a fronteira é ténue
deixa-os descobrir

(torreira; saco de berbigão de 20 kg; 2009)
lembrar o zeca num trabalho da rtp
o moliceiro

a água quebra
a rocha
o vento dobra
o ferro
o homem escreve
um sonho
palavras com vela
por sobre as águas
levadas pelo vento
o moliceiro

(murtosa; regata do bico; 2012)
