crónicas da xávega (342)


uma rede incerta
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torreira; 2012

 
morde por dentro
a incerteza dos dias
 
por sobre o vazio uma rede
muitas redes
alguns nós
tanto eu
 
morde por dentro
a incerteza dos dias
 
há ainda o mar e um
navio ao longe
ao longe
parte
 
nunca ser barco
foi tão urgente
 
por sobre o vazio
uma rede
incerta
 
os moliceiros têm vela (396)

os moliceiros têm vela (396)


aos que partiram
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torreira; s. paio; 2011

 
conversam comigo
como no tempo em que fomos
 
recusei vê-los
recusarei sempre
quando já não
 
preservo-lhes a vida
dentro da memória que sou
 
converso com eles mesmo se
debaixo de terra diante de mim
lembro-os lembrando-nos
 
sou os que foram comigo
serão sempre até que eu
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torreira; s. paio; 2011

 

crónicas da xávega (341)


sinto muito

 

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do sentir às palavras
que o dizem
os poetas
 
escrevo apenas
porque é outra forma
de estar comigo
 
sei que não me traio
sinto muito
as palavras dos outros
 
sinto muito
que sejam o que são
 

postais da ria (351)


um puto da ria
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torreira; 2019

 
trago o tempo aos olhos
é ainda o filho nas redes do pai
 
é ainda um puto da ria
que depois da escola safa redes
sem paredes nem janelas
sem professores nem horários
sem exames nem anos a galgar
só marés limos caranguejos
redes para safar
 
é um puto de férias
a safar redes
as redes do pai
e as dos amigos do pai
que dele são também
 
porque todas as redes
são redes dos putos da ria
 
a vida continua
as redes deixaram fugir o pai
 
o puto está preso nas malhas
das redes é um puto da ria
e chama-se filipe como o pai